Processo de escolha para o melhor filme pode gerar confusões devido a metodologia empregada, e perfil da Academia.
Todos os anos a premiação mais famosa do cinema desperta variados sentimentos no público, inclusive, questionando as metodologias empregadas em suas escolhas. Quem nunca escutou de um amigo ou familiar algumas das já célebres frases como “não acredito que tal filme ficou de fora”, ou então “só indicaram porque fez sucesso” e até “vou torcer para o meu favorito, mas a academia detesta esse tipo de filme, impossível de levar”.
Deixando meramente o gosto pessoal de lado, outras questões que tocam o âmbito social e político igualmente emergem nas pautas relacionadas aos indicados ao Oscar. Vale lembrar as recentes e importantes discussões levantadas sobre a representatividade envolvendo mulheres enquanto diretoras/roteiristas, presença de negros e latinos nas mais variadas categorias e o suposto “boicote” de filmes estrangeiros e documentais que abordam assuntos tidos como polêmicos para a entidade. Nesta direção, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que dentre suas várias funções tem a premiação do Oscar como a mais importante, tem feito relativo esforço para tornar o evento mais plural.
Neste ano de 2022, a entidade conta com mais de 9 mil eleitores, um enorme salto em relação a 2015 quando o número era de 6.200. Em grande medida, este um terço a mais foi convidado entre votantes mais jovens e de origens diversas, buscando assim “refrescar” o evento ao mesmo tempo que amplia o alcance das escolhas nas indicações. Vale lembrar que a audiência do Oscar vem caindo progressivamente e a de 2021 foi a menor da história. Tentando se conectar com um novo público, a Academia retornará com um apresentador (algo que não acontecia desde 2018), a transmissão do dia 27 de março será mais curta, inaugurou um prêmio de júri popular pela internet e busca cada vez mais trazer engajamento perante seus indicados.
Ao todo, a premiação deste ano conta com 23 categorias em que cada um dos 9 mil membros só pode votar na área de sua especialidade. Por exemplo, se um profissional trabalha apenas com direção de arte, não pode dar opinião em outras áreas técnicas como mixagem de som e efeitos visuais. Diretores votam na categoria de melhor diretor, os atores escolhem os protagonistas e coadjuvantes, os editores nos prêmios de pós-produção e assim sucessivamente. As exceções, contudo, estão no Oscar de filme estrangeiro – em que cada país seleciona o seu representante que posteriormente será julgado por uma comissão encomendada pela Academia - e melhor filme.
Na categoria mais importante da noite, todos os votantes ajudam a selecionar os longas que farão parte da lista de cinco a dez indicados daquele ano e qual se consagrará vencedor. E é aqui que reside boa parte das discussões sobre o quanto o método é assertivo e justo.
A votação se dá pelo sistema de voto preferencial, ou prefential ballots, em que ao invés de se votar apenas no melhor filme, cada membro preenche uma lista com sua ordem preferencial de todos os concorrentes, do que julga mais merecedor ao menos visado à estatueta. Após o período de votação, a Price Waterhouse Coopers, empresa de auditoria contratada pelo Oscar, faz a apuração. Nesse primeiro momento, se algum filme alcançar 50% + 1, (ou seja, a maioria), ele já será consagrado com a estatueta. No entanto, se nenhum filme alcançar este êxito, é dado início ao processo de eliminação e remanejamento dos votos. Nesse cenário, a obra menos votada para a primeira colocação é retirada da disputa e todos os participantes que votaram nele terão seus votos transferidos automaticamente para o longa que ocupava a 2ª posição da sua lista.
Para facilitar a compreensão, vamos exemplificar com os filmes indicados ao Oscar deste ano. Eles são: "Belfast", "Não olhe para cima", "Duna", "Licorice pizza", "Ataque dos cães", "No ritmo do coração", "Drive my car", "King Richard: criando campeãs", "O beco do pesadelo" e "Amor, sublime amor". Vamos supor que a lista do membro votante Steven Spielberg foi preenchida da seguinte forma:
1º) Belfast
2º) Ataque dos cães
3º) Drive my car
4º) Não olhe para cima
5º) King Richard: criando campeãs
6º) Amor, sublime amor
7º) O beco do pesadelo
8º) Duna
9º) No ritmo do coração
10º) Licorice pizza
Neste cenário hipotético, nenhum filme obteve a maioria inicial dos votos, ou seja, 50% +1 para se chegar automaticamente no vencedor. Dando sequência, imaginemos que dentre todos os concorrentes, aquele que menos figurou no primeiro lugar dos votantes foi justamente "Belfast". Como essa era a primeira opção do nosso fictício Steven Spielberg, agora seu voto computado será para "Ataque dos cães", sua segunda colocação. Depois dessa primeira rodada, a Price Waterhouse Coopers computa os votos remanejados e verifica novamente se algum longa atingiu a maioria. Se ainda assim nenhum filme alcançar a marca, ocorrerá uma nova rodada de eliminação e remanejamento até que algum seja declarado o grande vencedor.
Apesar de parecer democrático, processual e justo, este tipo de metodologia empregada esconde alguns problemas em sua concepção. Em primeiro lugar, temos que ter em mente que o longa apontado como melhor filme remete ao perfil dos membros da Academia. De acordo com dados do The New York Times, a entidade era composta em dezembro de 2019 por 70% homens e 84% brancos. Além disso, a média de idade dos votantes era de 62 anos. Por esse motivo e em meio a críticas aqui já apontadas, nos últimos anos surgiu um grande esforço do Oscar em diversificar seu corpo votante, para que uma maior gama de filmes seja contemplada. Contudo, essa mudança é gradual e será sentida nas próximas décadas.
Além disso, este tipo de sistema para a escolha do vencedor acaba premiando filmes medianos no sentido literal da palavra. Isso porque, no processo de redistribuição dos votos, se um título é colocado muitas vezes em segundo, terceiro ou até mesmo quarto lugar, ele tem grandes chances de virar primeiro graças às sucessivas eliminações para chegar na maioria (50% +1 dos votos). Em contrapartida, filmes divisíveis acabam ficando de fora da disputa já que, em muitos casos, propõem discussões polêmicas, trazem novidades narrativas e estéticas, provocam sentimentos variados e abordam temas caros para nossa sociedade. Ou seja, aqueles filmes que poderíamos enquadrar na condição de “ame-o ou deixe-o”, mesmo que tenha sido o mais indicado em primeiro lugar, acabam perdendo caso ele igualmente tenha sido colocado nas últimas posições.
Estes e outros motivos fazem com que paire sobre o Oscar algumas desconfianças ano após ano. Por conta do sistema utilizado junto ao perfil homogêneo que ainda prevalece entre os votantes, vários longas que já ganharam o prêmio de melhor filme acabam sendo aqueles que menos despertam discussões, sentimentos e que pouco trouxeram algo de novo para a cinematografia mundial. Vale lembrar alguns deles, como é o caso de “Shakespeare Apaixonado” e “Spotlight: Segredos Revelados” em que - independentemente de suas qualidades narrativas e técnicas - foram apontados nas suas respectivas épocas como meramente medianos, posição que figuraram nas listas dos votantes em 1999 e 2016.
Agora, quem sabe, o senso-comum presente na frase “vou torcer para o meu favorito, mas a academia detesta esse tipo de filme, impossível de levar” faça maior sentido.